Oh, maravilha!
A formosura posta pelo Criador em suas criaturas constitui um meio através do qual podemos chegar até Deus, Espírito puro e infinitamente perfeito. Desta maneira, as regras da estética são para nós elementos de consideração para compreendermos a verdadeira beleza da santidade.
Há um conjunto de regras de estética que nos podem facilitar o conhecimento da beleza que Deus pôs no universo, como ponto de partida para subirmos à consideração de sua beleza incriada. A mais fundamental dessas regras é a coexistência harmônica da unidade e da variedade. Em vez de nos atermos, entretanto, a uma enumeração e uma definição fria desses princípios, seria mais interessante que os considerássemos enquanto realizados em alguns dos seres que mais facilmente nos caem debaixo dos olhos. Comecemos pelo mar.
A imensidão do mar…
Um dos primeiros elementos de sua grandeza é precisamente a unidade. Todos os mares da Terra comunicam-se entre si e constituem uma imensa massa de água que cinge o globo terrestre.
Assim, postos em qualquer ponto do mundo, uma das considerações mais agradáveis que nos é dado fazer é lembrar que a imensa massa líquida que se estende diante de nós, até as fímbrias do horizonte, não se encerra ali, mas tem atrás de si imensidades sucessivas formando a grande e única imensidade do mar que se move, que se joga e que brinca por toda a superfície da Terra.
Mas, ao mesmo tempo em que o mar nos apresenta essa unidade esplêndida, impressiona pela grande variedade que nele podemos observar.
Variedade, em primeiro lugar, quanto ao movimento. Ora o mar se nos apresenta manso e sereno, parecendo satisfazer todos os desejos de paz, de tranquilidade e de quietude de nossa alma. Ora ele se move discreta e suavemente, formando em sua superfície pequenas ondas que parecem brincar diante de nós, para fazer sorrir e distender nosso espírito como se tivesse diante de si as realidades amenas e aprazíveis da vida. E ora, por fim, ele se mostra majestoso e bravio, erguendo-se em movimentos sublimes, arremetendo furiosamente contra rochedos altaneiros e deslocando de seus abismos massas de água insondáveis para submergir ilhas e invadir continentes. Neste estado, o mar parece dominado de uma fúria avassaladora e que canta com seus rugidos e sua grandeza todo um poder existente no mais profundo dele e que não se suspeitava, nem um pouco, nos seus momentos de mansidão e de graça. Parece-nos presenciar os lances mais empolgantes e heroicos da História.
Beleza da unidade na variedade
Também há variedades estéticas do mar.
Às vezes é ele extremamente claro através de uma grande massa líquida até o fundo de suas águas. E outras vezes ele se mostra escuro, impenetrável, profundo, misterioso. Se em certos panoramas o mar se apresenta em superfícies imensas e quase sem limites, em outros ele está circunscrito pelos acidentes do litoral e forma pequenos golfos onde, por assim dizer, ele se compraz em estar em intimidade conosco, fazendo-se pequeno para melhor se deixar ver e amar.
O mar, pelos seus ruídos, não é menos variado. Ora seu murmúrio dá a impressão de uma carícia, que embala e faz dormir, ora não passa de um fundo auditivo semelhante à prosa de um velho amigo que já muitas vezes se ouviu. Mas pouco depois ele nos fala como o bramido dominador de um rei que quer impor a sua vontade a todos os elementos.
O modo pelo qual ele se “comporta” na praia é igualmente variado. Às vezes, o mar chega à terra célere e ofegante; outras vezes, caminha para ela tardio e preguiçoso, em ondas que se movem languidamente. E outras vezes, por fim, parece tão completamente parado que se diria quase contentar-se ele em ver a terra sem tocá-la.
Ora, todas essas diversidades do mar não teriam para nós concatenação nem encanto se não se apresentassem sobre o grande fundo de uma unidade fixa, invariável e grandiosa. Esta é a beleza da unidade na variedade do mar.
Variedades harmônicas
Devemos, entretanto, reconhecer que a variedade do mar é um tão poderoso elemento de beleza por não ser uma variedade qualquer, mas, sim, oferecer em alto grau os caracteres específicos da verdadeira variedade harmônica.
Essa variedade chega até a oposição, quer dizer, é tão grande que seus pontos extremos chegam a atingir aspectos opostos e como que contraditórios entre si. Esta variedade, pelo próprio fato de que reúne em uma só gama extremos tão pronunciados, tem uma suprema harmonia, uma indiscutível beleza. Nós não encontraríamos tanta beleza no mar se ele não “soubesse” ser, por exemplo, tão extremamente manso e tão extremamente furioso, tão extremamente majestoso e tão extremamente gracioso. É na harmonização do extremo da mansidão e no extremo da fúria, por exemplo, que se verifica a perfeição da variedade do mar.
Tal variedade de oposição deve comportar uma certa simetria, quer dizer, é necessário que quando uma coisa tem um caráter e leva a um extremo, o lado oposto chegue a um extremo igualmente acentuado. Se o mar fosse extremamente furioso em certos movimentos e apenas um pouco calmo em outros, sua beleza não seria grande. Para que a oposição seja perfeita, cumpre que o mar possa ser tão grande quanto furioso em umas horas, quanto é profundamente manso em outras. E só com esta simetria é ele inteiramente belo.
Harmonia das gamas intermediárias
Mas, ao mesmo tempo, as variedades harmônicas das gamas intermediárias também concorrem notavelmente para a beleza do mar. Essas situações de transição são tão harmônicas que nós, em determinados momentos, nem podemos dizer bem como o mar nos parece. Estará bravo? Estará manso? Estará claro? Estará escuro? Não o sabemos dizer porque o mar vai passando de um extremo para outro com várias fases intermediárias tão esplendidamente matizadas e harmônicas que a linguagem humana não é suficiente para as descrever, e o único processo para tal é o da comparação.
Por exemplo, quem viu o mar que esteve furioso e está ficando manso pode dizer que ele está manso, mas quanto se lembra do mar verdadeiramente manso e o considera nesse momento de transição, tem ainda a impressão do mar furioso. Por esta espécie de contradição de aspectos opostos existentes no mesmo meio-termo, tem-se bem a ideia de toda a riquíssima gama de estados intermediários que o mar atravessa.
Mas a relação entre esses próprios estados intermediários deve apresentar uma verdadeira continuidade. De um extremo a outro o mar não salta, mas passa sempre com rapidez maior ou menor por todos os estados intermediários. Esses estados são habitualmente perceptíveis em sua sucessão, como matizes que se substituem uns aos outros. Mas quando a sucessão dos matizes é muito perfeita, dá por vezes a impressão de que não muda. Mas ao cabo de pouco tempo e sem saber como, o observador está diante de um quadro diverso. É que essas mudanças foram tão delicadas e tão imperceptíveis que excederam a precisão de nossos sentidos ou pelo menos a acuidade de nossa atenção.
Variedade do progresso
Há por outro lado uma forma de variedade que não é tão nítida no mar, mas é muito relevante no céu: a variedade do progresso.
Há no firmamento uma variedade de aspectos que vem desde a aurora até a noite, de maneira tal que oferece um quadro encantador, primaveril, matutino na aurora, depois vem ganhando em colorido, em força e em majestade, até chegar à gloriosa plenitude do meio-dia. Em seguida ele se vai esvaindo lentamente até chegar às tristezas do crepúsculo e, por fim, ele toma o seu aspecto noturno. Este se conserva mais ou menos contínuo e imóvel até os primeiros clarões da aurora. Há assim, ao longo do dia, uma harmoniosa sucessão de aparências que vão dos primórdios ao apogeu, e deste à decadência, num processo de progresso e retrocesso, ciclo de aspectos variados que o céu percorre.
Outro princípio de variedade, que confere ao céu uma beleza peculiar, é o princípio monárquico: a ordenação das múltiplas formas e variedades em torno de um elemento ou ponto central, em função do qual elas se harmonizam e reciprocamente se explicam. É o papel do Sol no firmamento. Em função dele, no céu, todas as variedades não são senão fundos de quadro que cooperam para realçá-lo de mil modos em toda a sua beleza.
Reflexo da santidade de Deus
Assim temos os vários princípios da beleza realizados no mar e no céu, isto é, em duas criaturas que estão constantemente sob os nossos olhos e que são esplêndidos vestígios da beleza incriada e espiritual de Deus, Nosso Senhor.
Sabemos pela Doutrina Católica que a formosura de todas essas coisas é imagem de Deus, Espírito puro e infinitamente perfeito. Assim também, tendo o homem sido feito à imagem e semelhança de Deus, elas são também suas imagens: o céu e o mar, em seus vários estados, fazem lembrar a alma humana em suas várias disposições, o jogo complexo das paixões humanas, as virtudes da alma humana quando esta realmente reflete a santidade de Deus.
Desta maneira, essas regras de estética são para nós meios para considerarmos a verdadeira beleza da santidade em Nossa Senhora — a mais alta de todas as meras criaturas —, que, com tanta e tão esplêndida propriedade, tem sido e deve ser comparada quer ao céu quer ao mar.
Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata, Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e que com todas as suas forças deve procurar amar e imitar.
Unidade na variedade dos dons de Deus
Em Nossa Senhora se encontra também a mesma unidade na variedade dos dons de Deus. Ela é Nossa Senhora da Paz; Ela é Nossa Senhora das Dores; Ela é Nossa Senhora da Boa Morte. N’Ela todos os contrastes se harmonizam. Ela é ao mesmo tempo “Auxílio dos Cristãos”, mas “Refúgio dos Pecadores”; Maria é glorificada por sua humildade incomparável, mas todos os videntes que tiveram a felicidade de A contemplar comentam a sua soberana majestade; Ela se apresenta a nós “ut castrorum acies ordinata”, mas ao mesmo tempo como “Mater clementiae et misericordiae”.
N’Ela há a perfeita harmonia entre contrastes aparentemente irreconciliáveis: Virgem e Mãe! Ninguém mais plenamente mãe do que Nossa Senhora, Ela é Mãe por excelência; mas também, ninguém mais plenamente virgem do que a Virgem por excelência!
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência 15/11/1958)