O Espírito Consolador
Para a vinda do Reino de Maria não basta apenas o extermínio dos maus por meio de um castigo divino, mas se faz necessária uma efusão de graças do Espírito Santo que leve à conversão grande parte da humanidade. Até mesmo os contrarrevolucionários devem passar por uma transformação à maneira da taturana que se torna linda borboleta.
A respeito do Divino Espírito Santo e da Festa de Pentecostes, gostaria de dizer alguma coisa no tocante a um dado de que temos falado: o Grand Retour(1).
Necessidade de graças excepcionais de conversão para a constituição do Reino de Maria
Se considerarmos que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão determinar o extermínio de grande número de pessoas, em especial das que não são boas, e que depois, escapando os bons, com estes nasce uma humanidade nova, parece-me que do ponto de vista demográfico ficamos na estaca zero. Porque, quantos são os autênticos contrarrevolucionários nos dias de hoje? E como garantir a perpetuação do gênero humano a partir de um punhado de bons que reste? É evidente que não basta apenas o extermínio, mas esses castigos têm que ser acompanhados de uma grande conversão.
Sabemos ter sido o dilúvio, além de um castigo, uma ocasião de conversão para muita gente que, diante da iminência da morte, converteu-se e salvou-se. Podemos, pois, imaginar que as tragédias que castigarão a humanidade, caso ela não se emende, também constituam uma oportunidade para muitos se converterem.
Mas como considerar essa graça para tanta gente, inclusive para contrarrevolucionários tão deficientes e cheios de lacunas, quando levamos em conta que se trata de constituir a época mais brilhante da História da Igreja, que é o Reino de Maria? Como resolver esse problema?
Só podemos imaginar isso da seguinte maneira: em determinado momento, de um modo inesperado, Nossa Senhora produz sobre um grande número de pessoas uma ação sobrenatural de graças conseguidas por Ela que atuem sobre as almas para que se convertam, modifiquem-se completamente e se transformem em contrarrevolucionárias.
A algo disso posso dizer que, timidamente, assisti nos dias de minha vida. Porque quando comparo o que é hoje a minha Obra com as possibilidades existentes para a constituição de um movimento católico como este, quando começamos, e o que era o Brasil antes mesmo de começar o movimento católico, noto transformações enormes que não poderiam se dar sem graças muito especiais, evidentemente distribuídas pelo Espírito Santo às almas e obtidas por sua Santíssima Esposa.
Quando nos lembramos da “geladeira” religiosa que era o Brasil no tempo, por exemplo, de Washington Luiz e comparamos com este miserável Brasil do Jango e o indeciso Brasil do Castelo Branco, vemos que, apesar de mil esboroamentos, mil recuos, houve um trabalho evidente da graça que, no seu gênero, é absolutamente maravilhoso, excepcional, que não está no método comum da Providência operar.
Em qualquer estágio da vida espiritual, pedir uma transformação completa
Evidentemente, precisaremos de operações excepcionalíssimas da graça. São essas que devemos pedir: graças muito especiais do Espírito Santo. E é muito conveniente que façamos este pedido ao Divino Espírito Santo, por ocasião da Festa de Pentecostes.
Suponhamos alguém que, em sua vida espiritual, vai se conduzindo de um modo perfeitamente satisfatório; outro, de um modo medíocre; outro ainda, insatisfatoriamente. Como esse pedido de graças se põe para cada um?
Para o primeiro, deve-se pedir a Nossa Senhora que lhe dê uma graça por onde o fervor dele seja tal que corresponda a uma verdadeira conversão, pela qual adquira um modo inteiramente novo de ver a vocação, uma renovação de todas as energias interiores, de maneira que a apetência de santidade, de sacrifício, o amor a tudo quanto é grande e sublime, e que verdadeiramente nos fala de Deus cresça enormemente, e ele seja, em relação ao que era antes, como a borboleta é para a crisálida. Tenho a impressão de que a imagem zoológica da transformação operada pela graça no homem é uma taturana que se arrasta pelo chão – ente vil, feio, metido dentro da poeira – e que, de repente, vai se transformando e dá numa borboleta linda. Eis a transformação espiritual do homem.
Mais ainda devem pedir isso os medíocres, que sentem não estarem progredindo, e cuja vida de piedade se transforma em lero-lero, as Ave-Marias se automatizam, os pensamentos de piedade perdem o suco, conserva-se por tudo isso uma espécie de estima convencional, mas o fundo da alma não corre para lá.
Entretanto, eu gostaria de falar especialmente para aqueles que tenham a infelicidade de não estarem indo espiritualmente bem. Há situações da vida espiritual que são tão difíceis que a pessoa quase perde a coragem: “Não consigo, não aguento. É muito direito, é muito bonito, mas está provado que perdi o fôlego, e daqui não vou para a frente…”
Ora, a Festa de Pentecostes é uma admirável lembrança de que esse modo de raciocinar é falso. Por maiores que sejam as dificuldades, o Divino Espírito Santo pode, de um momento para outro, pela intercessão de Nossa Senhora, atender nossos pedidos e fulminar uma alma com uma graça, como São Paulo a caminho de Damasco. Uma intervenção assim, qualquer um pode e deve pedir.
Nessas condições, portanto, eu sugeriria que todos nós nos aproximássemos da Festa de Pentecostes com muita confiança, inteiramente persuadidos de que, se pedirmos, a Santíssima Virgem nos atenderá, obtendo para nós uma graça especial do Espírito Santo. Não posso afirmar que tal dom vá cair sobre nós no dia de Pentecostes, quando os sinos estiverem anunciando o meio-dia. As coisas na vida espiritual não se dão assim tão cinematograficamente. Mas deve-se pedir para receber no momento adequado e oportuno.
A verdadeira ação do Espírito Consolador
A respeito da ação do Divino Espírito Santo em Pentecostes cabe ainda uma consideração. Devido à histórica torção do espírito religioso ao longo dos séculos, quando se fala da terceira Pessoa da Santíssima Trindade enquanto Espírito Consolador, insinua-se um pouco a ideia de uma viúva cheia de crepes, tendo perto de si três crianças, cada uma lambendo um biscoitinho, sentada ao pé de um salgueiro junto a um túmulo no cemitério da Consolação, e pensando: “Mas como o meu Pafúncio era bom! Tão amável, tão direitinho… Uma vez ele me traiu, é verdade, mas não vale a pena pensar nisso agora.” E depois de um tempo de chorinho bom e suave, ela se retira do cemitério consolada.
Em uma de suas obras, o Proust(2) tem o personagem de uma tia viúva que morava num quarto todo lindinho do qual ela nunca saía. A cama dessa senhora ficava junto a uma janela que dava para a rua, para ela poder ver todos os acontecimentos que ali se passavam. A parede do quarto era listada de azulzinho claro e branco, imitando tecido, onde estava pendurado um retrato do falecido esposo. Entre as distrações da viúva durante o dia, estava a de olhar para o quadro e comentar com a criada: “Como era bom esse meu pobre marido…”
Essa é a ideia comum que se tem de “consolação”. Portanto, o Espírito Consolador seria também aquele que nos faria ter uma unção gostosa às horas da Ave-Maria; uma coisa melada da qual a pessoa sai, neste sentido melífluo da palavra, consolada.
Porém, o Espírito Consolador não é este, mas sim o correspondente à etimologia latina da palavra “consolatio”, isto é, aquele que dá força. Ele é propriamente o Espírito de força, de ânimo diante da dor, do sofrimento e da luta. É o Espírito Santo que nos dá força para batalharmos pela virtude, para conseguirmos a santificação, combatermos pela Causa de Deus. É, pois, o Espírito animador, que dá ânimo para a pessoa lutar. E não, ao contrário, aquele que põe um gostosinho agradável da consolação nesse outro sentido da palavra.
Sem dúvida, está também entre os efeitos do Espírito Santo certa forma de resignação doce, suave em meio ao grande sofrimento. Mas este é um efeito entre muitos outros produzidos pelo Espírito Santo, e que não tem nada a ver com o sentimentalismo melancólico, à Chopin(3), e outras coisas do gênero. É algo da resignação cristã, por exemplo, em Nossa Senhora, depois de Nosso Senhor ter subido ao Céu, passando Ela ainda muito tempo na Terra, para o bem da Igreja nascente, e com saudades d’Ele. Portanto, não tem nada de comum com a fraqueza sentimental da qual falávamos há pouco.
Não conheço nada melhor do que os “gisants” da Idade Média para nos dar a ideia sensível desse espírito de ânimo, de energia, fruto do Espírito Santo, que nos leva a enfrentar a vida em todas as suas circunstâncias. Aqueles guerreiros deitados, em atitude de prece, armados para a vida e enfrentando placidamente a morte, tendo transposto com serenidade os umbrais da eternidade, com Fé em Deus e na Igreja Católica, prontos para comparecer perante o julgamento divino, confiantes em sua justiça e em sua misericórdia, representam bem, a meu ver, essa forma de firmeza que o Espírito Santo dá. Uma firmeza cheia de serenidade, que não é hirta, calvinista. Essa atitude de alma é uma das manifestações dessa ação do Espírito Santo.
Ânimo firme e paciência: graças a serem obtidas do Espírito Santo
Parece-me que se deveria tomar isso em consideração ao se tratar do problema da dor, a posição do católico diante do sofrimento, a admiração, a aceitação e a compreensão da dor como uma espécie de valor supereminente que ordena e esclarece toda a vida neste vale de lágrimas. Tudo isso só pode ser bem compreendido a partir desse ânimo sobrenatural que o Espírito Santo dá aos fiéis para toda espécie de luta e sacrifício, inclusive para a aquisição, conservação e progresso da virtude.
Assim como a palavra “consolação”, também a noção de paciência está deturpada em nossos dias, sendo considerada como uma coisa mole, boba, sem sentido. Mas o que é a paciência? Este termo vem do vocábulo “passio”, que significa sofrer. Logo, paciência é a capacidade de sofrer, uma de cujas manifestações está em suportar as injúrias, quando é o caso de suportá-las.
Mas essa não é uma atitude tola. A paciência é um elemento indispensável e integrante da coragem. É por ter capacidade de sofrer que o homem é corajoso. Mas que sentido teria, numa reportagem, dizer: “A artilharia avançou com admirável paciência sobre o adversário”? Ninguém entenderia. Entretanto, tem um sentido: com uma admirável disposição de sofrer, de dar e receber pauladas. É, portanto, um elemento integrante da coragem.
Vamos pedir a Nossa Senhora que nos obtenha do Espírito Santo as graças para termos essa consolação, esse ânimo firme diante da dor, do sofrimento, de maneira tal que caminhemos com resolução, sobretudo na vida de santificação e na luta contra o adversário. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/6/1966)
Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)
1) Do francês: Grande retorno. No início da década de 1940, houve na França extraordinário incremento do espírito religioso, quando das peregrinações de quatro imagens de Nossa Senhora de Boulogne. Tal movimento espiritual foi denominado de “grand retour”, para indicar o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos, Dr. Plinio começou a empregar a expressão “grand retour” no sentido não só de “grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora de graças que, através da Virgem Santíssima, Deus concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria.
2) Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (*1871 – †1922). Escritor francês.
3) Frédéric François Chopin (*1810 – †1849). Compositor e pianista polonês-francês da era romântica.